Durante o processo de realização do Controle Interno da Qualidade o profissional de laboratório clínico enfrenta diversos desafios no processo da análise crítica, principalmente relacionados aos alertas do sistema que indicam uma situação de não conformidade.
Saber como lidar com a perda do controle e quais atitudes devem ser tomadas é essencial para garantir os resultados dos exames.
A análise crítica representa a sexta etapa da "Jornada do Controle Interno da Qualidade (CIQ)", um sistema composto por nove etapas para garantir que os processos analíticos funcionem corretamente e que os resultados sejam entregues com segurança.
A jornada do CIQ é um material em formato PDF que mostra de forma clara e simples as etapas necessárias para enfrentar os desafios do controle interno da qualidade, como validar o controle diariamente, realizar análises críticas corretamente, aplicar regras múltiplas e gerenciar a equipe e a rotatividade de pessoal.
Caso ainda não conheça as etapas, você pode baixar nosso PDF clicando aqui e ter acesso a todas as informações necessárias para seguir a jornada do CIQ com sucesso.
Nesse conteúdo veremos como se desenvolver uma estratégia para lidar com a perda do controle e quais as sete atitudes a serem tomadas.
Em uma situação de não conformidade do controle, o laboratório deve determinar uma causa raiz para o dado OUTLIER e como adaptar uma correção possível.
O OUTIER é uma adição atípica que apresenta um grande valor ou outras informações da série (que é uma grande novidade ou que é inconsistente.)
O método de controle da qualidade adotado deve ser capaz de encontrar problemas com o mínimo de falsas rejeições, sendo capaz de alertar quando houver problemas e não incomodar se o sistema estiver estável.
Durante uma situação de perda, muitos profissionais fazem toda a sorte de controle, seja de controle, nova alíquota do material, enfim, uma ação que se apresenta objetiva e que está ao alcance de imediato. Deve-se ter cautela nessa hora, pois tomar essas ações pode caracterizar uma atitude aleatória, desprovida de fundamentação e base racional, por isso, menos resolutiva.
Ter uma estratégia constitui um enfoque muito importante na raiz da causa, e assim, mais chances de adotar uma medida corretiva eficaz.
Atitudes como repetir a corrida do controle, sem analisar a situação, não são uma boa prática para um laboratório que planeja e cuida de estratégias de qualidade. Embora ocorra do mesmo modo, o resultado não pode ser causado por degradação do próprio frasco de material de controle, ou seja, não pode ser usado desse momento em frasco. O zelo com o frasco do material e sua conservação adequada são essenciais. Nesse caso, uma abertura de novo frasco pode ser uma medida eficaz e que deve ser documentada em comentários sobre a corrida. Vale destacar que essa atitude é uma atitude racional e se insere nas ações a serem implementadas também numa estratégia de enfrentamento racional da situação OUTLIER .
Se o controle da qualidade for bem planejado, e o Gestor da qualidade ampliar seu conhecimento teste por teste, sua visão dos sistemas analíticos será de tal forma consistente que possibilitará clareza e maior acerto na busca de soluções.
Resolver problemas de controle exige conhecimento e atitudes. Cabe ao gestor da qualidade do laboratório, um profissional de nível superior, descobrir as causas e solucionar os problemas.
A interpretação visual do gráfico de controle pode ser muito elucidativa. Podemos inferir se há uma tendência, o que indica o tipo de erro sistemático ou se a distribuição dos pontos sugere o caráter aleatório. As regras violadas também fornecem importantes indicadores do tipo de erro.
Regras que avaliam observações consecutivas dos controles, como 2:2s, 4:1s, 7x, 10x e 7T usualmente indicam erro sistemático. Regras que testam alargamento da distribuição gaussiana das medidas do controle, como 1:3s, R:4s geralmente indicam erros aleatórios.
O gráfico de controle é uma representação visual da variabilidade dos resultados obtidos das análises do material. A figura 1 mostra a conjugação de imagens, da curva de Gauss (posicionada em rotação no sentido anti-horário) com o gráfico de controle. Baseando-nos nesse princípio, podemos interpretar o gráfico ao lado.
Curva 1 – verde – mostra uma distribuição gaussiana dos resultados, de forma aceitável e a média adequada. O coeficiente de variação estaria em valores a menos que a imprecisão máxima permitida para o teste.
Curva 2 – vermelha – uma variabilidade muito boa (pequena), mostrando distribuição dos valores mais próximos da média. O CV deve estar confortavelmente abaixo da imprecisão máxima permitida.
Curva 3 – azul – a distribuição gaussiana mostra-se alargada, indicando resultados muito dispersos, mesmo mantendo-se equidistantes do valor da média. Indica erros aleatórios.
O gráfico de controle é ferramenta imprescindível no controle interno quantitativo e o profissional deve se familiarizar com ele. Aporta muitas informações e tem grande efeito pedagógico, permitindo compartilhar informações dos eventos do controle com todos os colaboradores. É uma boa prática de controle sempre inspecionar o gráfico de Levey-Jennings. A prática de apenas comparar o resultado da corrida com numa faixa preconizada pelo fabricante do material de controle é um critério frágil e de baixo índice de detecção de problemas. Por exemplo, um desvio da média ocasionado por perda de calibração (curva 4, acima) pode não ser detectado por muitos dias, simplesmente comparando o resultado com uma faixa. A análise do gráfico de controle, ou o teste das regras (p. ex.: regra 4:1s) revela o problema que você pode resolver. Isso é o que se espera de um sistema de controle.
Identificado o tipo de erro, se aleatório ou sistemático, vá em busca da causa raiz. Os erros sistemáticos são mais frequentes, causados por problemas persistentes e são mais fáceis de serem solucionados. Os erros aleatórios não têm sentido e direção definidos, sendo portanto mais difíceis para encontro da causa raiz.
Lembre-se de verificar o último movimento em relação ao aparelho (manutenção recente), ao reagente (novo reagente, novo lote), calibração etc. Recorra à informação sobre tipos de erros, em alguma lista, para você relembrar as possibilidades. Faça uma revisão apurada das causas de erro. Gaste um pouco do seu tempo na análise, para economizar em tempo e materiais, evitando repetições infrutíferas e que aumentam seus custos. Avalie principalmente dois aspectos:
– Se o problema afeta outros testes que sejam executados no mesmo aparelho. É o que podemos chamar de “denominador comum” para os diferentes sistemas analíticos.
– Se houve intervenção recente no equipamento, desde a manutenção preventiva, algum dano, até a troca de reagentes.
Avalie e procure conhecer seu sistema analítico e seu desempenho. Utilize os registros de não conformidades para o analito como forma de rememorar outras violações – mesmo antigas – para detectar possíveis reincidências de um mesmo problema. Considere a opção de analisar as não-conformidades, causas raízes e medidas corretivas adotadas anteriormente. Lembre-se do Princípio de Pareto, que estabelece que 80% dos problemas têm menos de 20% das causas. É um axioma válido para o CIQ no laboratório clínico.
Evite simplesmente substituir o frasco de material de controle, ou utilizar novo reagente, o que pode supostamente dar resultados mais rápidos. Na verdade, pode ser que se esteja apenas postergando as medidas efetivas. Contudo, é sempre possível que um analito tenha se deteriorado num material durante o uso e ao analisar um outro frasco poder-se-á encontrar a solução do problema, que nesse caso estaria no material que tem a função de controlar a estabilidade do sistema, mas ele próprio teria perdido a estabilidade. Essa deterioração pode ser causada por má conservação do material.
Ter o hábito de registrar sempre é conduta de grande importância. Só assim você poderá solucionar melhor os futuros problemas com o mesmo sistema analítico, como defendido no item anterior. Em sistemas automatizados de controle por computador, procure a forma de registro em ‘Comentários’, ou ‘Observações’ na corrida analítica, para anotar as intervenções, ou também anotar algum outro tipo de informação referente ao sistema analítico.
O registro de cada ação corretiva propiciará a você uma fonte para consultas sobre erros e correções naquele sistema analítico. Talvez você ache oportuno repetir uma medida corretiva adotada anteriormente e que tenha sido fator de sucesso. Habitue-se a anotar também, para a corrida analítica, observações sobre intervenções no sistema, de outros tipos, como manutenção preventiva, troca de lote de reagentes, calibrações, troca da agulha etc. Muitas vezes uma intervenção simples e aparentemente inocente pode estar associada como causa do problema encontrado. Quem realiza controle da qualidade apenas com o módulo próprio do equipamento tem que fazer essas anotações em registros a parte, o que é sempre mais trabalhoso.
Se o critério foi de rejeição da corrida analítica, deve-se realizar nova corrida para os níveis de controle do(s) analito(s), depoisde ter tido atitudes racionalmente definidas de revisão do sistema analítico e correção de problemas encontrados. Essa repetição não é sem sentido, porque ela pretende verificar se a medida adotada foi de fato saneadora e resolutiva. Se o fator problema permanece, continuará influenciando de modo negativo os resultados dos controles e influenciaria também os de pacientes. Sem uma avaliação cuidadosa da causa raiz e medidas corretivas adequadas, a repetição estará apenas postergando a identificação dos problemas e a efetiva aplicação das medidas corretivas.
Cuidado com a conduta de apenas repetir análise dos controles. Com a repetição simples e automática, sem base racional de avaliação da causa, você está dizendo que não confia que o sistema de controle cumpre o seu papel de ser capaz de detectar problemas. Especialmente no caso de erros aleatórios, a repetição da análise dos controles pode, pela variação analítica inerente ao método, produzir resultados ‘em controle’ sem que tenha havido correção efetiva de algum problema. Se o critério de tratamento da não conformidade foi de rejeição, você deverá realizar nova corrida para todos os níveis implantados, mesmo que a rejeição tenha sido motivada por apenas um deles. A interpretação é que a corrida analítica foi rejeitada e consequentemente todos os níveis de controle analisados naquela corrida devem ser rejeitados. Realizar nova corrida é muito importante e necessário fazer, SEMPRE depois de analisar as possíveis causas.
O método de controle que você utiliza (programa de computador) deve permitir que você informe um novo valor de corridas analíticas, em substituição aos anteriores, se houver rejeição. Após a digitação dos novos valores, todas as regras habilitadas devem ser testadas e o gráfico plotado. O valor original, que ocasionou violação de regra deve ser preservado em registro e disponibilizado para histórico e revisão para cada analito.
O valor que ocasionou a violação permanece arquivado, mas não é utilizado para os cálculos de valores correntes, para interpretação do Coeficiente de Variação. Isto porque você adotou o critério de rejeição para a corrida, devendo ai incluir novos dados que forem aceitos. O arquivamento dos dados que geraram as não conformidades servem para documentar a realização do CIQ e nas revisões posteriores, para orientar raciocínios sobre recorrências do mesmo problema. Se um problema é recorrente você deve cuidar de estabelecer conduta de análise posterior, para adotar medidas preventivas. Considere realizar discussão com o consultor técnico do equipamento, ou com SAC do fabricante de reagentes.
É muito importante que a solução do problema não tenha ocorrido ao acaso, mas sim fruto da sua intervenção no sistema. Se o último resultado estiver em controle, você tem o respaldo para considerar que as amostras dos pacientes terão resultados com qualidade analítica, se forem tratadas de forma similar ao material de controle. Havendo persistência de OUTLIER com um segundo resultado você deve ser mais cuidadoso ainda e rever todo o sistema. Deve verificar o CHECK LIST de causas de erros e tentar abrir o pensamento para buscar outras possíveis causas ainda não identificadas. Se você usa um programa de computador para o CIQ, deve acionar o Assistente de Erros do programa, para receber auxílio no encontro das causas.
Sempre que acionado por seus colaboradores numa situação de persistência de não conformidade, o Gestor da Qualidade deve analisar o problema, adotando visão sistêmica do processo analítico, com critérios.
– Deve inspecionar o gráfico de controle, as regras violadas e o tipo de erro, se aleatório ou sistemático. Por essa análise há possibilidade de classificar o tipo de erro, ou com a ajuda do programa. Erros sistemáticos mostram tendência. São alterações que ocorrem gradualmente ao longo do tempo. Erros aleatórios apontam para maior variabilidade do sistema, e significam alargamento da curva de distribuição dos resultados do controle, ou da Curva de Gauss;
– Relacionar o tipo de erro com as causas potenciais. Erros sistemáticos e erros aleatórios têm diferentes causas. Problemas que ocasionam erros sistemáticos são mais comuns que aqueles que provocam erros aleatórios;
– Deve considerar outros analitos em sistema de múltiplos testes. Se houver incidência de problemas também com esses outros, a análise deve prosseguir em relação às características dos testes, do equipamento, dos filtros, lâmpada, ou seja, sobre o que poderia haver em comum;
– Relacionar o problema a intervenções recentes. Os erros sistemáticos são frequentemente relacionados a problemas com reagentes e com a calibração. Um desvio marcado da média pode ser devido à troca do reagente, mudança de lote, calibração recente, troca do lote do calibrador. Essas são intervenções que, quando realizadas, devem ser anotadas no método de controle interno (programa de computador), para orientar as análises de causa raiz da não conformidade;
– Registrar medidas adotadas. Sempre registrar, para poder consultar depois. Anotar em local apropriado a medida corretiva, se de fato foi fator de solução.
Desenvolva bons hábitos e compartilhe com sua equipe. As boas atitudes se incorporam ao dia a dia das pessoas e se traduzem em encaminhamentos adequados naturalmente. Aumente assim a eficácia do seu controle interno e a confiança nos seus sistemas e seus resultados.
guia
Aprenda atuar na busca da causa raiz, facilitando a tomada de decisão.